A aquicultura supre hoje 47% dos 17,2 kg capita (equivalente em peso vivo) de pescados consumidos no mundo e cresce a uma taxa maior que a da população humana. No Brasil, China e outros países em desenvolvimento, o aumento no consumo de produtos animais tem sido considerável. Esta mudança ocorreu devido a uma complexa combinação de fatores, entre eles o aumento do padrão de consumo, crescimento da população, urbanização rápida e transformações na distribuição de alimentos, conforme dados recentes da Food and Agriculture Organization (FAO).
A aquicultura desempenha um importante papel no desenvolvimento social: além da geração direta de alimentos e de renda, há a geração de empregos. Direta ou indiretamente, o setor de recursos pesqueiros é essencial para a sobrevivência de milhões de pessoas no mundo todo: em 2008, aproximadamente 11 milhões de pessoas estavam diretamente ligadas (período integral ou parcial) na produção aquícola, de acordo com os últimos dados disponibilizados pela FAO.
Até aproximadamente duas décadas atrás, exceto as poucas operações de subsistência, as políticas neoliberais permitiram que o desenvolvimento da aquicultura fosse amplamente regido pelo mercado. Mais recentemente, vários governos em todo o mundo tem tido um papel mais pró-ativo no desenvolvimento da aquicultura. Esse papel tem mudado gradualmente e variado de natureza dependendo da importância ou potencial da aquicultura na vida socioeconômica de vários países.
No Brasil, um país em desenvolvimento em que a pobreza é explícita (29% da população vive com uma renda inferior a R$ 80,00/mês), a aquicultura pode ser uma interessante alternativa para geração de alimentos e renda, contribuindo efetivamente para reverter esse quadro.
O Estado do Piauí, embora tenha uma produção aquícola modesta em relação aos seus estados vizinhos, oferece grande potencial para seu desenvolvimento. Embora um crescimento de aproximadamente 20% nas atividades aquícolas tenha sido medida nos últimos anos, este estado apresenta uma atividade extrativista expressiva, como por exemplo, a cata do caranguejo no Delta do Parnaíba (embora as estatísticas sejam falhas, estima-se que somente no município de Ilha Grande a produção de caranguejo seja de 500 toneladas anuais).
Esse delta é o segundo maior do mundo, apresentando aproximadamente 330 mil hectares de área. Portanto, pode-se inferir a importância dos recursos pesqueiros na cultura dos povos que ali habitam. Além do caranguejo, que é levado em quantidades elevadas para grandes centros comerciais no entorno, a extração de moluscos é também expressiva: em apenas 60 km de extensão de litoral, o Piauí produz aproximadamente 27 vezes mais moluscos que o Estado do Ceará. Isso reflete um triste retrato social, que ao invés da celebração do elevado volume de produção por uma atividade de baixo impacto ambiental, o trabalho de cata de moluscos no manguezal, feito pelas famosas marisqueiras, é um trabalho insalubre e desvalorizado pela sociedade. Portanto, esses números confirmam o elevado grau de pobreza que as comunidades se encontram. Existem ainda comunidades sob condições semelhantes em ilhas, no meio rural, no meio urbano e até mesmo vivendo em lixões.
A pobreza engloba dimensões diferentes de desprovimento relacionado com as capacidades humanas incluindo consumo e segurança alimentar, saúde, educação, direitos, voz, segurança, dignidade e trabalho decente. Em uma análise geral, a aquicultura primeiramente contribui diretamente com a segurança alimentar, que é a condição de todas as pessoas, a qualquer hora, ter acesso físico, social e econômico à alimentação suficiente, segura e nutritiva que supra suas necessidades e preferências nutricionais para uma vida ativa e saudável.
A aquicultura é um meio eficiente de converter energia em proteína de ótima qualidade, podendo ser conduzida a partir de um baixo custo de implantação, com execução simples, em pequena escala, por mão-de-obra familiar, de maneira integrada com o meio ambiente e compatível com os costumes locais das comunidades. Portanto, a aquicultura pode ser incentivada como alternativa para comunidades carentes com possibilidades de bons resultados em curto prazo.
Alguns exemplos das alternativas são: o cultivo de ostras nativas em travesseiros por marisqueiras e a criação de camarão em cercados para uso como isca pelos pescadores tradicionais das ilhas do Delta do Parnaíba, o cultivo de peixes nos canais dos distritos de irrigação, criação de peixes em água residuária do processo de dessalinização, e a produção de alimentos pelo “sistema alternativo simplificado de produção de alimentos”, idealizado pela Embrapa Meio-Norte, UEP-Parnaíba. Esse sistema consiste na integração aquicultura-agricultura-pecuária, em que os resíduos de um sistema é o insumo do outro, representando uma eficiente utilização dos nutrientes em um espaço reduzido, garantindo segurança alimentar às comunidades.
Além de garantir a segurança alimentar, os efeitos da aquicultura nas comunidades carentes pode ter outro potencial igualmente importante: a possibilidade de oferecer a essas comunidades o exercer da cidadania efetivamente, ou seja, o conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive. Por exemplo, a aquicultura já vem sendo aplicada em programas de inclusão social para mulheres, como a capacitação de mulheres e filhas de pescadores na área de maricultura e processamento de pescados, minorias étnicas, como cultivo de peixes em comunidades indígenas e quilombolas, e pessoas em reintegração à sociedade, como piscicultura em presídios. Várias dessas iniciativas iniciais já se tornaram cooperativas e transformou o contexto de diversas pessoas pelo país. Portanto, podemos considerar a aquicultura como uma atividade em potencial para o combate à pobreza.
Felizmente, os encontros mundiais mais importantes da área de aquicultura têm incluído em sua programação sessões sobre aquicultura e redução da pobreza, e com sucesso. Cada vez mais a sociedade reconhece que a aquicultura pode ultrapassar sua função exclusiva de geração de proteína de boa qualidade. Além dessa função, a aquicultura pode atuar na inclusão social, permitindo que comunidades alcancem a cidadania. Que este cenário em que estamos inseridos seja o norteador de nossos trabalhos, para que possamos atuar pela melhoria da qualidade de vida das comunidades carentes.
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